segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Queria saber...

Há exatos nove anos escrevi este texto. É infantil, assumo... Mas nada melhor pra retomar meu blogue e postar nesta véspera de dia das crianças.

Desde que me entendo por criança, alguns questionamentos teimam em permanecer na minha mente. Sim, as dúvidas da criança permanecem na cabeça do adulto, só que a maioria deles não tem coragem de dizer e, muitas vezes, até foge dos questionamentos, temendo o sofrimento.


São dúvidas banais...(serão?...Ah...a dúvida de novo!). Mas o que será banal na cabeça de uma criança? Uma criança nem sabe o que quer dizer banal.

MINTO! São dúvidas essenciais, surgidas na mente pura e clara da criança que um dia fui e que, talvez, ainda reste em mim a essência. Questões vitais para transformar a vida do adulto, tirá-lo da prisão da seriedade, da racionalidade, vítima do sistema e da sociedade...tirá-lo da prisão da “adultice”.

Lembrei-me dessas dúvidas certo dia, ao assistir a um comercial de TV. Era a propaganda de um xarope para tosse e, ao final, mostravam dois frascos: um adulto e um infantil. No adulto, sério, havia o esboço de dois pulmões desenhados e, no infantil, o desenho de um moranguinho. Quanta discrepância! O xarope infantil tinha gosto de morango! E foi daí que ressuscitaram as dúvidas perdidas na vastidão de uma memória adulta, mais preocupada com, aí sim, banalidades de estudos, contas, trabalhos, festas, ódios, mentiras, amores (retiro esse último da lista de banalidades). Enfim, lá ia eu, novamente, perder-me dentro do meu próprio infinito.

Eis a questão: quem foi o louco que chegou a afirmar que adulto não gosta de morango? Por que o xarope de adulto tem gosto de remédio (argh!) e o de criança, de morango? Ah, se eu pego esses adultos “inventores de remédios”...Será que se perderam eles dentro das banalidades deles mesmos? É claro, lógico e evidente que o adulto precisa de xarope com gosto de morango!

A partir desta, outras e outras dúvidas infantis (ou nem tanto) foram desencadeando-se, como se eu tivesse regredido aos meus seis anos. Logo surgiu outra: por que os adultos insistem em chorar baixo, sofrer calados? Quem lhes disse que isso é bonito? Será que eles não se sentem tão mais aliviados ao fazer escândalos, bater o pé, tossir, gritar, fazer cara feia...Deixar todas as lágrimas caírem de uma só vez (sim, porque, nos olhos dos adultos, só cai uma lágrima por vez e cada pingo de lágrima mais parece uma gota de sangue, de tanto que o sofrimento preso corrói). Digo isso por experiência própria. Ô vontade de espernear!

Depois do choro, veio o riso. Do riso, a gargalhada. Quero saber quem foi o sanguinário ditador que impôs que a gargalhada de um adulto fosse uma vergonha. Por que, meu Deus, após um adulto gargalhar alta e prazerosamente, logo ele é taxado de “escandaloso”, “insensato”, “insano”, se a risada desdobrada da criança é tão gostosa que faz esboçar-se um sorriso em cada rosto ao seu redor? Mas por que só um sorriso? Por que também não se desdobram gargalhadas adultas, Deus?

Falando nisso, outra dúvida surgiu: por que, para o adulto, o Senhor é Deus e para a criança, é Papai-do-Céu? Ele, por acaso, deixa de ser Pai quando as crianças crescem? Estou certa, aliás, absolutamente certa, que não. Portanto, deste prazer infantil, nunca abri mão: Deus, nas minhas palavras, rezas, orações e pensamentos, sempre foi chamado de Pai. Não abro mão desse direito, viu, Dr. Responsável pelas regras adultas?!

Para cada dúvida seguinte, mais dez, cem, mil questionamentos surgem. Por que os adultos não podem cantar cantigas de roda? Por que ninguém lhes canta cantigas de ninar? Por que eles não podem enfeitar seus escritórios com bichinhos de pelúcia e carrinhos? Ficaria tão mais aconchegante... Por que eles teimam em ser tão racionais, e duros, e frios, se isso os faz sofrer tanto? Por que eles não dizem logo o que sentem na hora que têm vontade? Será que já esqueceram de ser crianças? Será que cresceram demais? Tenho fé que não. Só devem estar meio perdidos dentro das próprias memórias.

Mas de todas essas e muitas outras havia, ainda, a dúvida maior de todas. E a mais marcante também. Aquela que nem na memória conseguiu se perder:

Por que será que os olhos dos adultos não carregam mais o mesmo brilho ofuscante, intenso, puro do olhar transparente da criança? Quem garantiu aos adultos que é perigoso ser transparente? Eu, quando criança, não conseguia encontrar a resposta para essa pergunta, mas hoje ela me parece tão clara e límpida quanto o meu próprio olhar de 15 anos atrás.

Os olhos adultos são tão opacos pelo simples fato de eles não tomarem remédio com sabor de morango; não espernearem ao chorar; não gargalharem; ah...pelo fato de terem vergonha cair e se ralar; por terem um Deus lá em cima e não um Papai para todas as horas, seja ele do Céu ou Noel; por não saberem dizer “eu te amo” de forma tão inocente e sem esperar nada em troca e nem ao menos saberem deixar o sentimento transparecer; também pelo fato de os adultos não brincarem de roda, de carrinho, de boneca, de casinha,...; por eles serem tão racionais. (Mas que droga de racionalismo! Deveríamos ser seres EMOCIONAIS!)... e por outras.

Por isso, ao final desta, resolvi reensinar – e reaprender – algumas palavras que há muito andam perdidas meio às banalidades. Ora, se elas foram inventadas, temos a obrigação de utilizá-las: Amor, Desculpa, Colo, Abraço, Choro,..., Saudade (essa só nós temos o privilégio de pronunciar...e quanta dor ela nos traz!).

Será que essa crônica soou como reivindicação? Não era esse o propósito, mas, já que foi assim, terminemos:

Queremos cantar, brincar, amar, berrar, cair, gargalhar, apontar (com o dedo indicador e não com os olhos...Soa falso). Queremos ter Papai e Mamãe do Céu, queremos sorvete, pipoca, coca, museu (!), desenhos animados, tudo azul para os meninos e tudo cor-de-rosa para as meninas. Queremos poder dizer que, além do único animal racional, o homem é o único ser emocional!

Se não soou como uma reivindicação...Era só isso...A curiosidade de uma adulta ainda meio, muito criança...

Eu só queria, mesmo, saber...


Renata Freitas
2001