quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Feliz Círio!

Como esse blogue não é o “viaje na viagem” ou nada parecido, vou dar um tempo nas histórias de viagem pra falar de um assunto mais que especial: o Círio de Nazaré.

Posso me esforçar, escrever até fazer calos nos dedos, mostrar fotos, pintar, desenhar, mas, infelizmente só quem é paraense de nascimento ou de coração sabe bem o que esse momento significa. Só o paraense sabe o que é ter, no segundo domingo de outubro, nas ruas de Belém, ano a ano, mais de dois milhões de romeiros (e olha que a população atual de Belém não chega nem a 1,5 milhão): homens e mulheres, ricos, pobres, pretos, brancos, amarelos, índios, todos unidos por um único e o mais nobre sentimento que existe: a fé.

Quem não espera, ansiosamente, durante o ano inteiro, aquele dia de acordar cedinho, mesmo depois de ter participado da romaria fluvial e da trasladação, por volta das cinco horas da manhã, vestir a roupa nova, comprada especialmente para esta ocasião, caminhar a pé pelas ruas da cidade velha, depois de pegar aquele ônibus lotado de romeiros, ou depois de toda a dificuldade para encontrar um táxi desocupado, ou depois de pegar o carro e encontrar os outros meios de transporte no tradicional “ponto mais próximo da Catedral da Sé que se encontrar”.

E, daí, assistir à missa celebrada pelo arcebispo de Belém, e partir para a procissão.

Pronto: vêm os fogos dos estivadores, os mesmos que durante o ano inteiro se unem, depositam suas pequenas doações na “caixinha do Círio” e fazem a mais linda salva de fogos à Nossa Senhora de Nazaré. As homenagens: as casas, enfeitadas com fitas, flores e velas, a chuva de papel prateado, a chuva de balões, cantores famosos prestando homenagens únicas, entoando “Vós sois o Lírio Mimoso”, e muitos, muitos anônimos prestando homenagens ainda mais especiais, entre eles, os promesseiros – miniaturas de casas, tijolos, partes do corpo, que agora está são, modeladas em cera, círios do tamanho da pessoa que foi curada, as crianças vestidas de anjinhos, e também os anjinhos, vestidos de crianças, com o roc-roc ou os brinquedos de miriti em mãos... Todos se misturam neste momento de energia única.

E, com vocês, a corda. O sinônimo da vitória: a doença vencida, o emprego, a universidade.. São tantos milagres diários que as mãos destes agraciados já não mais cabem na corda. Mas e daí? Não dizem que a fé move montanhas? Pois ela também permite que estes fiéis levem, abraçados, a corda próxima à Berlinda, protegendo a santinha até o final da procissão, na sua morada, a Basílica de Nazaré, erguida exatamente no local onde o pescador Plácido encontrou a verdadeira imagem.

Com o final da procissão, pra recuperar as forças, chega a hora do paraense, já com a fitinha amarrada no braço, correr para sua casa, reunido com a família e com todos os turistas que ele recebeu ou conheceu durante a procissão: brasileiros e estrangeiros. Todos juntos vão para a casa da matriarca da família se deliciar com aquela maniçoba que, durante sete dias seguidos atormentou sua manhã, sua tarde e sua noite, com aquele aroma maravilhoso de maniva pré-cozida no fogo.

Depois do prato de maniçoba, nem ele mesmo sabe como ainda tem fome de sobra pra complementar seu almoço com um pato regado por tucupi, sem deixar faltar a dormência que só o jambú é capaz de causar. E pra sobremesa? Uma tigela caprichada de açaí. Enche de açúcar, de farinha de tapioca e vai descansar da peregrinação naquela sesta da tarde, no calor do Pará, antes de levar a criançada para o parque de diversões. A hora do sono é exatamente o momento em que começam a cair as primeiras gotas da chuva para refrescar.
E ele adormece.

Já sonhando com qual homenagem prestará à Mãe de Jesus no ano seguinte.



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