quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Preciosa Luta

Sempre acreditei que a melhor forma de representar as coisas boas da vida fossem as palavras. E valorizei-as, em toda a perfeição e força que realmente lhes é inerente. E respeitei-as, e como respeito, afinal vivo (vivemos todos) delas, da palavra escrita, da palavra pronunciada. Porém, é com culpa e um pingo de frustração que devo confessar que descobri algo além das palavras. Não melhor, não pior, apenas além: a lembrança.

Não nego, e nunca o farei, o poder das palavras: “mais que o aço poderosas”, como bem descreveu Cecília Meireles, mas peço licença pra especular que talvez a poetisa não tenha se dado conta, ou até vivido tão belos momentos quanto os que pude desfrutar nos últimos 30 e poucos dias.

Por exemplo, como poderia, em palavras, descrever Lisboa e suas ladeiras, e as velhinhas portuguesas, com suas roupinhas penduradas em varais, nas pequenas ruelas cortadas por árvores de tangerina em um colorido maravilhoso, que contrasta azulejos, pessoas, vinhos e sons (sim, lá até os sons tem cor. O fado é de um vermelho incrível!), que só a indescritível capital portuguesa pode proporcionar? Como escrever o Tejo, de águas das lágrimas imortalizadas por Pessoa?

Nem Almodóvar, nem Gaudí ou Picasso com suas obras e imagens puderam retratar a muito mais que Almodovariana Espanha e sua bela pretensa Catalunha Barcelona. Catalães? Espanhóis, até o último fio de cabelo!

Como descrever o céu maravilhoso da Itália? Apenas contando da imensidão azul que encobre a terra do maravilhoso gelato, do vinho irrepreensível e dos apaixonantes ragazi? Como falar dos canais de Veneza que guardam, silenciosos, tantos romances? E do ar tão verdadeiramente italiano da ofuscante Florença? E o bege de Roma e suas ruínas, seria ele explicável? Como explicar da fé e da paz presentes nas construções do Vaticano, mesmo com as milhares de pessoas que se esbarram por uma bênção? Seria suficiente apenas dizer que o céu é a azul e que o país é encantador? Temo que não.

O que dizer da Viena das histórias, dos grandes monumentos, do seu mais valioso anel? Uma jóia? Não... não apenas isso. Ela é mais que especial. Assim como Berlim, aquela cidade dura, ríspida pelo que passou, das imensas quadras que nem Karl Marx pode descrever, do muro pichado de dor e vergonha, do muro pichado de liberdade, de orgulho e de luta. A prova de que o bem pode vencer, ao menos uma vez...

E Londres? MEGALÓPOLE, vanguarda, antigo, moderno, novo, punk, lindo, feio, calmo, estressante, das festas, das drogas, da rainha, do chá, a cidade dos contrastes, dos espetáculos e do maior circo da Terra. Mas vai mais além... a cidade da pontualidade indefectível de um Big Ben que, em céu cinzento ou azul, não perde sua majestade, nem ao ser 24 horas vigiado pelo olho de Londres. O berço de Oscar Wilde (talvez esta seja a melhor forma de descrevê-la em palavras).

E por fim, a Paris. Ah! Minha bela Paris. Sobre a qual eu posso afirmar, de peito aberto, e com a humildade de meio-conhecedora, que “Cidade Luz” é pouco pra ela. Capital do Mundo? Tampouco. Ela é mais que isso... O paraíso? Quase isso... Mas neste paraíso da Terra viveram Victor Hugo, Robespierre e Baudelaire, entre tantos outros. Talvez até Deus tenha escolhido um local para passar férias na Terra. Talvez tenha sido Paris.

Como descrever uma caminhada às 10 da noite, que começa na Torre Eiffel, passa pelos Campos Elíseos e termina no Louvre, respirando história e poesia a cada passo? O que falar de sair do hotel e ouvir um casal de velhinhos tocando “La vie en Rose” junto a uma ponte que liga a minha rua à Catedral de Notre Dame? E a respeito do charmosíssimo mau humor francês e seu tão charmoso quanto ar de superioridade? E o que falar dos amores de verão que acontecem em pleno início de primavera, que só o romântico ar desta maravilhosa Paris, que nos torna tão propensos às paixões, é capaz de explicar?

Falar? Escrever? Não... Palavras são apenas palavras. Aliás, dentre os tantos poderes das palavras, tem um que corta a tênue linha que divide o bem e o mal: o poder de nos entregar. (Preciso interromper o raciocínio para concordar com Cecília Meireles, que as define como “estrelas de chumbo, rochedos de chumbo”).

Então, como demonstrar que o mundo que vivemos é capaz de nos dar todos os presentes que jamais ousamos imaginar? Testemunhar! Esta é a palavra. E após o fato de testemunhar, só nos resta uma saída: a lembrança. E ela dói... Ter com quem dividí-la, uma espécie de co-testemunha, alguém especial, pode aliviar esta dor.

As lembranças são as realidades dos fatos presas dentro de nós e ninguém é capaz de testemunhá-las ou apresentá-las. Talvez por isso eu as tenha eleito o que hoje tenho de mais valioso na minha vida.

Sentimentos podem se transformar; palavras são dúbias quando escritas; quando faladas, se perdem ao vento. As lembranças não... são eternas.

Pode-se morrer que elas sempre estarão em algum lugar.

Talvez perdidas no imenso céu azul da Itália ou, quem sabe, misteriosamente mergulhadas nas profundezas do Rio Sena...

Renata Freitas – abril de 2007

1 comentário:

Tiago Guaranha disse...

Nataa, tenho o privilégio de deixar o primeiro comentário..aee!!
Pode continuar escrevendo que vou continuar lendo, já está nos meus favoritos!
bjo minha querida...te adoro!!!